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A arte como simbiose entre pintor e a natureza
 
 

Um quadro do homem

Aldo Cardarelli não era um homem comum. Impressionava pela força que o envolvia em profundo mistério e pela infinita capacidade de captar a vida em todas as suas formas. Era um homem forte, atípico e atemporal. Tinha uma beleza estranha, com feições de gênio, olhos de águia, mãos de Deus e coração de menino. O temperamento imprevisível e a personalidade marcante afastaram dele artistas que o respeitaram como o "grande mestre" e outros, que o temiam apenas por não conhecê-lo.

Também era um homem grande para seu tempo: olhar profundo, entradas largas na testa, boca rasgada e nariz aquilino que nos remete a Beethoven. Cardarelli se levantava com o sol e com ele caminhava pelas matas, respirando a vida e transpirando a arte. Seu corpo recendia a linhaça, perfume também do atelier em sua casa no Cambuí. Por todas as manhãs de si tirava a essência com espátula, tintas e pincéis. Viveu da pintura, pela pintura e por ela entregava sua vida e arrancava do peito seu coração para colocá-la numa tela em branco. Comungava com a natureza, por ela desnudava sua alma e de sua própria alma, tirava a dela!

Cardarelli era o mago das cores, Seus dedos eram ocre-ouro, fruto da simbiose eterna entre sua paleta e quase dois maços de cigarro diários que queimavam até ferir-lhe os dedos sem que ele deles se apercebesse. Dizia-se ateu, mas reconhecia Deus em cada manifestação da natureza. Tinha com Ele diálogos íntimos através de sua obra comum e, talvez por isso, tenha sido considerado "o mestre dos verdes". Ouvia de cada folha sua história. Sabia de cada tronco a razão de sua força e o porquê de sua fragilidade. De cada galinha ouvia as confidências e do galinheiro, o amanhecer. Da sombra dos interiores da mata tirava a luz intensa de um sol que brilhava dentro dele e nas telas o colocava em forma de vida. Seus quadros, máquinas do tempo, permitem nos retratos dialogar com os mortos, reviver a vida e a esperança... nas paisagens à beira dos riachos, sentir o frescor e a atmosfera; respirar o ar puro e o cheiro do mato sem sair da sala, sem abrir a janela.

Na terra vermelha plantou seus pés e nela fez caminhar sua vida de pintor. Pintor também de águas doces e salgadas; e como as lágrimas do sol, suas lágrimas de sal eram derramadas em solidão pelas melodias que lhe alimentavam o espírito. Cardarelli queria ter sido pianista, mas as tintas eram mais baratas que o piano ... Por isso talvez tenha sido o pintor que tirava o som do silêncio ...

Munido apenas do cavalete, tintas e pincéis, se atirava nos braços da natureza em simbiose com sua sombra e sua luz; retratava sua vida e seu caminho de dentro dos rios, fugindo das marés, do alto dos penhascos, do alto de suas emoções.. Trazia na bagagem apenas a sensibilidade que lhe guiava os passos, e junto às "tralhas de pintura", as balas e o lanche que matava a fome de crianças e animais; à si, bastava o alimento da alma!

No fim dos dias, já exausto, fazia das pedras onde se deitava, tendo-as como berço ou como travesseiro, o repouso de sua cabeça grisalha. Fixava seus olhos nos seus sonhos e deixava sua alma voar para se encontrar com o universo infinito.                                                    
E nos céus, onde pintava o reflexo de sua própria luz, encontra-se agora com Deus, para juntos comungarem a natureza que continuam por criar.

...................................Cardarelli, por meus olhos.
. ............................................................................... ..Thelma Cardarelli

 

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